sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ele tinha chegado ao café adiantado. Tinha escolhido sentar-se na esplanada mas já se estava a arrepender. Tentava sem sucesso chamar a atenção do funcionário do café à vários minutos. A agitação do interior da sala, em contraste com o frio da esplanada quase vazia, só contribuía para aumentar a sua ansiedade. Olhava para o relógio insistentemente, esperando talvez que a sua força de vontade fosse suficiente para acelerar a rotação da terra e com isso traze-la mais rapidamente para perto dele. Agora ela já estava atrasada. Será que não viria? Pensava em tudo o que tinha para lhe dizer e construía as frases perfeitas para a convencer. Imerso nestes pensamentos, sentiu-a antes de a ver. Sentiu o cheiro do seu perfume, ouviu o som inconfundível dos passos dela, adivinhou o calor dos lábios dela. Sentiu receio em virar a cabeça, não fosse a mente dele estar a pregar-lhe partidas e ela não estar mesmo lá.

Ela vira-o já ao longe. Estivera quase para não vir. Via a agitação dele sentado sozinho naquela esplanada gelada e só lhe apetecia fugir. Hesitou, recuou, mas finalmente decidiu-se a ir ter com ele. Sentou-se e deu-lhe um beijo rápido na cara.

Pedi um café para ti mas entretanto ficou gelado. (Como a nossa história, pensou ela). Não faz mal, também não me vou demorar.

Ele tinha tanta coisa para lhe dizer. Lembrou-lhe o dia em que se tinham conhecido e os dias e as noites que se seguiram. Implorou que ela voltasse atrás na decisão de partir.

Era no entanto demasiado tarde. Ela já não o ouvia. Olhava para ele e sentia-se cada vez mais distante. Como é que lhe poderia explicar que quando se conheceram se sentia invisível. Que o tinha usado para recuperar algum amor-próprio. Não era justo para ele, ela sabia. Mas também já era tempo de ele perceber que o mundo não era justo para os fracos e que ele se arriscava a uma vida de desapontamentos se não mudasse. Não gosto de ti (interrompeu-o ela subitamente). Nunca gostei.

As palavras dela apanharam-no desprevenido, abortando todo o discurso tão cuidadosamente ensaiado. Aturdido levantou-se, deu-lhe um beijo na testa e foi embora. Não ia chorar á frente dela. Se tivesse pressentido que era a ultima vez que estaria com ela teria ficado. Teria insistido.

Ao longo dos anos haveria de voltar muitas vezes àquela manhã fria de Janeiro. Umas vezes conseguia que ela ficasse, outras mostrava-lhe todo o ressentimento que tinha guardado para ela. Imaginou-a muitas vezes em muitas mulheres diferentes. Ouviu-lhe a voz em muitas bocas. Os traços do rosto dela foram-se esbatendo e confundido com o tempo. Será que ainda a reconheceria hoje? Ele tinha a certeza que sim.

Pensava nisto enquanto ia dando a comunhão à fila de fiéis naquela manhã de Inverno. O corpo de Cristo repetia ele monocordicamente. Ámen respondeu ela. Sorriu. Não a tinha reconhecido. Talvez fosse melhor assim.

DC

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