quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A lista

Já passava da hora. André olhava nervosamente o relógio e perguntava-se se ela ainda viria.
À sua volta, nas outras mesas, as pessoas conversavam, indiferentes, entre torradas e meias de leite.
O empregado aproximou-se:
“O que bai ser?”
- Pode ser café.”
“Expresso ou de saco?”.
“De saco, por favor.”
Voltou a olhar a curva da Arcada. Nada ainda. Só as pessoas carregadas de sacos na azáfama de um fim de tarde às compras no centro.
De repente, apareceu. Impecável como sempre. Vestido vermelho, óculos Prada, e uns tacões de andar e meio. Indiferente aos olhares dos reformados que a viam passar em frente ao Viana e sonhavam com os tempos de juventude.
Sentou-se na mesa, decidida.
“Olá padreco! - brincou - Já chegaste há muito?”
André sorriu. “Não. Acabei de chegar”.
Gisela – assim se chamava - foi directa ao assunto, e entregou-lhe uma lista de duas páginas manuscritas.
“Estes são os últimos. Espero que gostes”.
André observou guloso as páginas que ela lhe dava. Páginas carregadas de pecados. O acordo era simples. Gisela relatava as suas experiências, as suas tentações e aventuras. E André, que vivia na redoma do seminário, lia e relia aquelas confissões e ía-se preparando para, no futuro, ouvir e perdoar. Não há estágios profissionais para os homens de fé e arranjara esta forma de ir ganhando experiência no conhecimento da alma alheia, um ensaio de perdão onde André punha à prova o seu pudor e a sua tolerância.
E Gisela, o que ganhava com isso?
Da parte dela o ritual ganhava um misto de contrição e malícia.
Gostava de o ver corar com aquela lista, quase toda inventada, que ela entregava pontualmente todas as semanas. Depois ficavam a falar uns minutos, sobre tudo e sobre nada, a ver fugir o dia.
À hora da despedida, André beijava-a na testa e sussurrava-lhe: “Vai com Deus”. E ela sentia-se em paz.
SFC 26.01.2011

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