“Ganhou outra vez” – disse-o com a voz sumida, sentindo um aperto no peito.
Precisara de um duplo whisky para fazer a chamada e dizê-lo em voz alta.
Do outro lado da linha um silêncio incómodo. Incrédulo.
Ganhara outra vez.
As sondagens já o haviam anunciado mas ele alimentara uma expectativa semi-religiosa, uma fé numa escolha colectiva pelo melhor candidato, o mais inteligente, o mais bondoso, o mais perfeito.
E em vez disso as massas voltavam a impor um burgesso. O pior candidato. Uma caricatura de líder que continuaria a encher os jornais e a fazê-lo corar de vergonha sempre que falasse em público.
O povo ignorara as vozes dos Homens Sábios: os escritores, os artistas, os catedráticos de todas as áreas, a comunidade internacional. Relevara os escândalos, as falhas de carácter, o ruído...
Ganhara outra vez!
Do outro lado da linha, um silêncio que crescia, cada vez mais desesperado.
Nada mais havia para dizer.
Desligou. E olhou-se ao espelho. O que fazer agora?
Ponderara vários cenários. Emigrar. Mudar de vida. O peso daquela eleição colectiva incomodava-o visceralmente.
Serviu-se de mais um whisky
E bebeu.
SFC
Fev. 2011
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